Sim! Eles nascem dos corações de seus pais. Aquele momento em que vidas se ligam após muita espera, angústias, abandonos e uma vontade enorme de encontrar alguém que sequer conhecemos, ou quando conhecemos, parece que Reconhecemos, tamanha empatia e vontade de nunca mais sair de perto. Quem encontrou seus filhos por meio da adoção sabe o significado desse turbilhão de sentimentos: ingresso no processo, entrevistas, cursos, habilitação (essa é a confirmação da gravidez do coração, uma gestação que pode levar anos) e finalmente o

tão aguardado telefonema informando “a bolsa se rompeu” e logo será possível encontrar o(s) filho(s) tão sonhado(s). Nesta edição fomos à busca de histórias que inspiram e retratam um tema atualmente tão debatido nas mídias. Entrevistamos também a Juíza da 3ª Vara de Infância da Juventude no Rio de Janeiro, Dra Mônica Labuto Fragoso Machado, que com sua vasta experiência e um belíssimo trabalho não somente em seu âmbito de atuação, mas também elucidando os pretendentes, além dos que já adotaram, nos grupos de apoio.

PAIS PARA FILHOS, NÃO FILHOS PARA PAIS: ENTENDENDO A REALIDADE DO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO

No Brasil, 7,9 mil crianças aguardam, há anos, para serem adotadas. 40,6 mil pretendentes esperam para adotarem uma criança. Segundo o CNA – Cadastro Nacional de Adoção há cinco pretendentes para cada criança. Por que a conta não fecha? Não é apenas por questões burocráticas!
A grande maioria das crianças aptas à adoção não tem o perfil desejado pelos pretendentes inscritos: mais de 13 anos, são pardas ou negras, pertencem a grupos de irmãos. Com relação à saúde, muitas delas sofrem com doenças crônicas ou deficiências. Diferente de grande parte dos perfis: os pretendentes desejam crianças de 0 a 4 anos sadias, brancas e, de preferência, do sexo feminino. “Precisamos ter em mente que quando uma criança é acolhida, ela não chega saudável, corada, feliz... Na maioria das vezes carrega consigo uma bagagem extremamente pesada, com históricos de abusos físicos/psicol ógicos, negligência e abandono.

Uma criança apta à adoção já passou por in úmeros sofrimentos, nenhum deles é acolhido sem essas vivências. Quando uma pessoa decide passar pelo processo de adoção, precisa ter em mente que encontrará um ser humano sofrido, que dificilmente o tratará como mamãe ou papai, pelo contrário, a carência é tão grande que muitos vão testar para ver se, novamente, não retornarão aos abrigos. Isso não é rebeldia, é medo da dor do abandono! Portanto, se optar pela adoção, estruture-se psicologicamente, participe de grupos de apoio e tenha em mente que estamos falando de vidas, de filhos que precisam de pais. Essa é a prioridade de toda uma Rede de Instituições que cuidam dos destinos de crianças/adolescente acolhidos: o bem-estar delas”, revela psicóloga Sirlene Alves.

Para mais informações:

O Cadastro Nacional de Adoção disponibiliza todas as informações, tanto sobre os dados sobre os pretendentes à adoção, quanto sobre as crianças disponíveis. Para informações mais detalhadas acesse:

www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf

“Poderia começar minha história dizendo que ser mãe era o meu maior sonho, mas não é verdade! Nunca tive este desejo intenso dentro de mim, como a maioria das mulheres. Quando pensava no assunto me vinha a ideia de adotar, nem sei como explicar, e quando resolvi ser mãe, biologicamente já não era mais possível devido a minha idade, tive quatro abortos espontâneos. Meu marido e eu então resolvemos nos inscrever no cadastro de adoção. Como não conhecia a realidade no Brasil, acreditava que aguardaria alguns meses e já seria chamada para adotar uma criança. E assim se passaram cinco anos até receber um presente de Deus.
Estava no trabalho e meu marido me ligou e disse: “Nossa filha nasceu!!!”. No momento não havia entendido, então ele continuou explicando que tentaram me ligar no celular e como não atendi, a equipe do Fórum entrou em contato com ele perguntando se tínhamos interesse em conhecer uma bebe de seis meses, uma menina. Disse que sim e quando desliguei o telefone entrei em pânico, senti um misto de alegria, ansiedade e medo, sim MEDO! Meu Deus e agora?
No dia de conhecê-la, fomos à casa acolhedora e logo entra a assistente social com uma menina toda risonha e simpática, meu coração disparou, a peguei no colo, fiz muitas carícias e então a assistente social perguntou se eu gostaria de dar um banho nela, trocar a roupinha, mal ela sabia que eu nunca tinha dado banho nem trocado um bebê. Fiquei envergonhada e disse que não. Ficamos juntos por algum momento e então falamos que a queríamos como nossa filha. Saí dali meio atordoada, era uma quinta-feira e ficou marcado para ir ao fórum na próxima segunda, assinar os papeis, pegar o documento com o juiz e logo em seguida ir buscá-la.
Minha família toda estava ansiosa! Saí dali e fui comprar o berço, enxoval, mamadeira e tudo que um bebe precisa materialmente. Naquele fim de semana não conseguia dormir,

estava feliz, mas ao mesmo tempo apavorada, é claro que não comentei isto com ninguém, nem mesmo com o meu marido. Chegou o grande dia, assinar os documentos para buscar nossa pequena, Beatriz. Ela estava radiante, alegre como no dia em que a conhecemos.
Fomos pra casa! Tive e tenho muita ajuda de minha cunhada (a dinda dela) meu irmão e minha irmã. Não posso deixar de mencionar o apoio que recebo também do meu marido, António, meu grande parceiro, um pai maravilhoso e muito dedicado! A Beatriz tem hoje quatro anos e sete meses. Ainda continuo no processo de adaptação, pois cada idade tem sua fase, noites sem dormir, preocupações com a saúde, educação entre outras. Acredito que toda a mãe tem esses medos. Vou ser sincera! Ser mãe é a tarefa mais difícil que desempenhei em minha vida, tudo muda, no emocional, na relação com o parceiro, no trabalho, mas vale a pena, é maravilhoso! Amo minha filha, já não saberia viver sem ela.
Existem aquelas mulheres que percebem o seu momento de tornarem-se mães. No meu caso surgiu de forma imprevista, fiquei totalmente desconcertada, mas foi a melhor coisa que me aconteceu.
Ser mãe biológica ou adotiva “do coração”, como dizem, é poder amar e cuidar de um ser totalmente dependente e indefeso, sedento de amor.
Acredito que todos estão aqui neste mundo para evoluirmos e não há nada melhor para se evoluir do que ser mãe, a gente aprende todo dia um pouquinho, a ter paciência, dar e receber amor, afinal o que é a vida se não nos dedicarmos e amarmos o outro? Adotar é tudo de bom! Embora tenha muitas preocupações, muito mais trabalho, muitas vezes dificuldades em saber o que é o certo e o errado, vale a pena. No meu pensamento não precisa ter o mesmo sangue, ser parecido, sair de dentro de mim, eu penso assim, eu sinto assim: Deus nos criou para amarmos uns aos outros, simples, dessa forma!”

Marcia Motti - SR Bauru

“Eduardo e Lucas eram meus sobrinhos netos e tinham uma vida difícil. A mãe biológica era casada com meu sobrinho, ambos usuários de drogas, não trabalhavam, não tinham onde morar, não tinham nada além do vício e uma criança no colo. Então, já dá para imaginar como essa criança sofreu.
Eu morava em São Paulo e, recentemente havia solicitado dispensa da função de Gerente Geral, na Ag. Silvio Romero. Em 2007, durante uma visita à minha mãe, conheci o Eduardo. Estava no colo da genitora e tinha apenas 4 meses. Foi amor a primeira vista! Imediatamente surgiu a vontade de tornar-me seu pai.
Naquela noite eu não consegui dormir. E a partir daquele momento e todos os dias que se seguiram até a sua vinda para casa – três anos e meio – não houve um amanhecer em que não pensava nele e na vontade de adotá-lo.
O tempo passou, meu companheiro e eu estávamos vivendo a vida corrida e agitada de São Paulo e envolvidos com nossos projetos e trabalhos. Ao mesmo tempo, em SC, a situação só piorava na família do nosso pequeno. A família não tinha onde morar e sofríamos em saber que estavam passando por sérias dificuldades. Então, em 2009, consegui abrigá-los em uma casa que pertenceu à minha mãe. Em maio de 2010, um ano antes de adotá-lo, Eduardo passou 10 dias comigo e meu companheiro em São Paulo. Neste mesmo ano, em julho, nasceu o Lucas. Eu estava em SC e pude acompanhar um pouco da gravidez. Fui juntamente com minha irmã buscá-los no hospital. Naquele dia, nós não sabíamos onde o genitor estava.
Somente olhei para aquela criança linda, aparentemente saudável e meu coração se apertou demais.
Não sabia o que fazer. Tentava, de todas as formas, acreditar que o melhor era que eles vivessem com seus pais, mesmo com todas as dificuldades irem morarem a família biológica.

Com o passar dos meses, as dificuldades só aumentavam. Foi então, em abril de 2011, ao constatar a situação lastimável em que se encontravam, que tomei a decisão de conversar com meu sobrinho e sua esposa. Expus a nossa real intenção, que já era de conhecimento deles havia quatro anos.
Os pais concordaram e então, através de uma autorização extrajudicial, adquirido em uma semana, os levei para São Paulo e ao mesmo tempo entramos com um processo judicial de pedido de guarda, que tramitou entre SC e SP. O processo levou dois anos para ser concluído.
A emoção foi indescritível, finalmente a realização do sonho da paternidade. Um sentimento de que eu estava dando um GRANDE PASSO em minha vida e que a partir daquele instante, nada mais seria como antes. A vontade de AMAR, de PROTEGER e CUIDAR inundou meu coração.
O processo de adaptação foi tranquilo. Quando eles chegaram comigo em SP, meu companheiro ficou para organizar a casa. Embarquei e levei comigo uma babá de SC. Ela nos ajudou nos primeiros três meses. Depois deste período de adaptação foram para escolinha. No primeiro dia parecia que eles já estavam conosco desde que nasceram.
Adotar para mim é AMAR, PROTEGER e CUIDAR. Em nossas vidas, tudo se transformou para melhor. Eles também me adotaram e são responsáveis por eu ter me tornado uma pessoa melhor. É difícil descrever em palavras, pois o amor de ALMA, não se explica, ele simplesmente EXISTE. Nós nascemos uns para os outros. Somos UNIDOS pelas nossas almas e seremos para sempre.
No âmbito profissional as minhas prioridades mudaram e mudou muita coisa. A partir do nascimento deles, passei também a me preocupar com o futuro, porém me tornei mais flexível comigo mesmo e com os outros.
Finalizo deixando a seguinte mensagem aos meus filhos: Vivemos esta vida para nos tornarmos pessoas melhores e este é o nosso maior desafio, mas o AMOR sempre vence. Viver na verdade é libertador. Aos colegas que desejam adotar eu digo para nada temerem. Tenham coragem e se entreguem, pois receberão muito mais do que doarão!”

Eraldo Antonio do Canto, 50 anos é casado (união estável)
e aposentado. Foi Gerente Geral na Agência Silvio Romero

ENTREVISTA COM DRA. MÔNICA LABUTO FRAGOSO MACHADO

Juíza há 20 anos, 10 da 3ª Vara de Infância da Juventude do Rio de Janeiro, Mônica Labuto Fragoso Machado define histórias de crianças e adolescentes acolhidas e nos conta algumas de suas experiências.” Atendo crianças de 8 a 13 anos. Assustei-me com a realidade de adolescentes de comunidades cariocas sem ideal de vida, ostentado o poder do tráfico de drogas, de famílias desestruturadas ou mesmo sem. Desde o Ensino Médio, sonhava em cursar Direito para ser Juíza. Meu avô, Osvaldo Augusto Fragoso, funcionário da CAIXA aposentado, me ajudou muito na realização deste sonho”. Com um olhar humanizado para a questão, a juíza fala sobre os tabus a serem quebrados e a importância de que haja um novo olhar para a realidade das crianças/adolescentes que estão acolhidos nos abrigos de todo o país!

Processo de acolhimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. As denúncias de violação de diretos dos infantes chegam pelo Conselho Tutelar ou Disque 100 da Secretaria Nacional de Direitos Humanos anonimamente. Os casos mais graves, como abuso sexual e torturas, e não solucionados pelo Conselho Tutelar, chegam à Vara da Infância. As crianças e adolescentes ingressam nas unidades de acolhimento familiar ou institucional quando o Conselho Tutelar os leva à Vara da Infância, casos de situação de rua, ou denúncia à violação de direitos, quando o Juiz pode buscar, apreender e acolher. Se as denúncias chegam diretamente à Vara de Infância e Juventude ou ao Ministério Público, cabe ao Juiz tentar solucioná-las diretamente.

Muitos se queixam da demora e questionam os trâmites do processo legal (entrevistas, visitas e cursos preparatórios). Qual é a importância de cada etapa?

Sobretudo, os casos de adoções necessárias (grupo de irmãos, crianças especiais, com idade acima de 8 anos ou inter-racial), não são simples. É preciso preparo emocional. A participação em grupos de adoção é muito importante, pois as dúvidas e angústias são compartilhadas. Temos de pensar na criança real e não na idealizada. O curso deve durar 9 meses, o tempo de uma gestação, afinal, o filho adotivo também tem que ser gestado.

Qual é o percentual de devoluções de crianças adotadas e como conscientizá-los sobre os efeitos nas crianças?

A quantidade acompanha o aumento de adoções pelas Varas de Infância. Onde atuo, são 200 adoções e 2 devoluções, no mínimo, por ano. Há muito mais devoluções por guarda de família extensa (parentes). Não temos dados nacionais e entendo que o CNJ deveria levantá-los. Precisamos melhorar os cursos de preparação e o pós-adoção, nem sempre possíveis pelo grande volume de processos e falta de psicólogos na Vara de Infância e Juventude, em todo o país.

De acordo com o CNS, hoje, temos 40.615 pretendentes e 7.856 crianças cadastrados para a adoção. Por que a conta não fecha?

A grande maioria dos aptos à adoção possui de 13 a 17 anos e muitos têm problemas de saúde, isto é, não possuem o perfil escolhido, pois os pretendentes preferem de 0 a 4 anos. Porém, estamos avançando muito: há dez anos, não havia adoção de adolescentes de 12 anos e, neste ano, já fiz 3 adoções de adolescentes acolhidos desta idade.

Quais os principais tabus a serem rompidos sobre adoção tardia? Pode relatar uma experiência marcante?

Muitos temem que as crianças e adolescentes com mais idade já venham com “vícios” e não se adaptem à nova dinâmica familiar. Há o caso que foi capa da Veja Rio: Jadson, 14 anos, negro e de família envolvida em crimes, está na Itália totalmente adaptado e é um dos melhores alunos de sua escola.

Ele foi à Itália porque aguardou pretendentes brasileiros por 4 anos que nunca apareceram. Sua história será contada no programa Fantástico no próximo dia 10. Há também a lenda de que meninos são mais agressivos e meninas, mais dóceis, por conta do machismo que ainda assola nossa sociedade. Hoje, são mais adotados meninos, e são maioria nos abrigos: 65%.

Como você avalia o avanço de adoções por casais homoafetivos e pretendentes solteiros?

O Direito tem que se adaptar à realidade social. Importa é ter família. Temos inúmeros casos de adoções por casais homoafetivos, solteiros e viúvos. O casal homafetivo masculino adota muito mais que o feminino, que opta pela fertilização artificial pelo banco de sémen.

Por que as instituições de acolhimento abrigam cada vez mais crianças?

Crise econômica, uso abusivo de drogas e álcool, banalização da violência, falta de perspectivas das classes sociais mais humildes e necessidade de planejamento familiar. No findo, chegamos aos dois pilares fundamentais de um Estado social que é Saúde e Educação, com os quais teremos evolução social e menos acolhimentos.

Há alternativa à adoção para inserir essas crianças no âmbito familiar?

Sim. Avançamos com os programas Família Acolhedora e o apadrinhamento familiar. No primeiro, a família acolhe uma criança ou adolescente e recebe uma bolsa do município em torno de um salário mínimo. Os avanços em casos de adolescentes são incríveis. É diferente acolhê-los num lar com atenção individualizada. Hoje, a 3ª VIJI tem cerca de 50 em famílias acolhedoras. Um caso, do Otávio, foi divulgado num programa da GNT. Com foco em crianças com a partir de 8 anos, o apadrinhamento afetivo pode ser requerido por todas as pessoas maior de idade. O padrinho leva a criança à sua casa em todos os fins de semana ou alternados e responde pelo acompanhamento escolar. A criança ou adolescente passa a entender o que é uma dinâmica familiar.

Qual é o prazo para destituir uma criança do poder familiar? O que ocorre até a decisão?

Pela lei, são 120 dias, mas o prazo não é cumprido. Do acolhimento à sentença, se tenta reinserir a criança à sua família com trabalho de recuperação familiar. Se for impossível, suspende-se o poder familiar liminarmente e coloca a criança em família adotiva antes da sentença.

Que mensagem deixa aos leitores que querem constituir família pela adoção?

Frequentem os Grupos de Apoio à Adoção, visitem os abrigos e, principalmente: adoção n ão é caridade, é ter filhos sem gestá-los biologicamente. Todo filho dá trabalho, sobretudo, na adolescência. Lembre como você era na adolescência. Não exija reconhecimento por seu ato. Você não é excepcional por adotar uma criança. Se não deseja ter filhos e quer apenas ser solidário, seja voluntário num abrigo ou ONGs comprometidas com a Infância. Adote se quiser ter filhos, e tê-los dá um trabalho danado, mas vale a pena.