DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

RESPONSABILIDADE PELO DÉFICIT DOS FUNDOS DE PENSÃO

O objetivo central das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), comumente denominadas 'Fundos de Pensão', é compensar a redução da capacidade para o labor dos trabalhadores, complementando os valores limitados pagos pelos Regimes Geral ou Próprio de Previdência Social (RGPS e RPPS).

Para isso, empregados (participantes) e empregadores (patrocinadores) congregam esforços e estabelecem contratos de natureza civil com uma EFPC destinada a administrar os recursos e benefícios dos empregados, sem finalidade lucrativa.

Esse conjunto de acordos, na forma da legislação vigente, garante uma série de benefícios a participantes e patrocinadores, dentre os quais se destacam, sem dúvidas, os incentivos tributários.

Especialmente sob a perspectiva dos planos constituídos na modalidade de Benefícios Definidos (BD), como o plano REG/Replan da FUNCEF, é estabelecida uma forte solidariedade, tanto dentro do grupo de participantes e assistidos, como em relação ao patrocinador, que, em termos práticos, se traduz no comprometimento proporcional de cada contratante com os riscos da atividade das EFPC.

Em outras palavras, como nos planos BD há uma definição prévia dos valores que serão pagos na forma de benefícios, os participantes, os assistidos e o patrocinador se comprometem a realizar as contribuições necessárias para garantir os benefícios estipulados. Naturalmente, sendo o benefício previamente definido, a contribuição necessária para financiá-lo poderia variar.

Os valores dessas contribuições são calculados, portanto, com base em uma série de premissas/hipóteses atuariais, que visam refletir o valor futuro de uma série de fatores que podem impactar no montante necessário para pagar os benefícios, como, por exemplo, a taxa de rotatividade dos empregados ou a expectativa de sobrevida da massa de participantes.

Além das premissas atuariais, também é considerada a expectativa quanto à rentabilidade dos recursos garantidores, obtida através de investimentos que visam auxiliar na composição das reservas.

Essas duas características resultam em dois grupos de riscos: o primeiro decorrente da possibilidade de as premissas/hipóteses atuariais adotadas não se confirmarem na prática, no caso de serem mais otimistas do que a realidade (como a expectativa de sobrevida verificada ser – ou tender a ser – maior que a prevista); e o segundo decorrente da possibilidade de o retorno dos investimentos (que, por natureza, pressupõem algum nível de risco) ser menor do que o esperado.

A confirmação desses riscos de forma acentuada pode levar a um desequilíbrio entre o valor das despesas, presentes e futuras, do plano de benefícios (que consiste principalmente no pagamento dos benefícios) e as receitas, presentes e futuras (como as contribuições, os ativos e o retorno dos investimentos). Sendo esse desequilíbrio um valor negativo, será constatado um déficit.

Caso esse quadro persista por um determinado período de tempo, participantes, assistidos e patrocinadores deverão ser chamados a verter contribuições adicionais para equilibrar o plano. Em geral essas contribuições mantém a proporção contributiva normal, ou seja, se o patrocinador e participantes contribuem em proporção de um para um, essa proporção se mantém no reequilíbrio do plano.

Essa lógica da legislação previdenciária apresenta coerência, na medida que nem sempre é possível ter precisão quanto ao comportamento de um grupo de indivíduos ou do mercado em uma relação que se estende por muitas décadas.

Isso não significa, no entanto, que qualquer déficit deva ser solucionado dessa maneira. Como dito, os riscos relacionado às premissas/hipóteses atuariais e à rentabilidade dos investimentos são próprios das atividades desempenhadas pela EFPC e, tendo em vista a lógica solidária dos planos BD, devem ser compartilhados por todos.

Porém, na hipótese de o resultado negativo do plano de benefício se dar em consequência da gestão fraudulenta ou temerária dos recursos garantidores, não é esse o caso.

Nos moldes da legislação atual, toda a diretoria é indicada pelos patrocinadores da EFPC. Além disso, 3 dos 6 membros do Conselho Deliberativo (órgão de maior superioridade hierárquica na estrutura dos Fundos de Pensão) são representantes desses mesmos patrocinadores, sendo que um deles será o presidente (com direito a voto de qualidade).

Isso significa que, apesar de terem direito a representantes nos conselhos deliberativo e fiscal, os participantes têm uma influência extremamente limitada sobre a gestão dos recursos dos planos de benefícios do que os patrocinadores.

Não é justo, desta forma, que os efeitos de comportamentos fraudulentos ou temerários dos gestores de determinada EFPC recaiam sobre a massa de participantes e assistidos. Em nenhum momento a legislação que cuida do equacionamento de eventuais déficits deixa transparecer esse fato. Muito pelo contrário, a lei deixa claro que aqueles que derem ensejo a prejuízos aos planos de benefícios responderão por eles nas esferas administrativa, civil e penal.

Ocorre que, de forma geral, a distinção entre os resultados negativos causados pela efetivação de riscos próprios das atividades das EFPC daqueles causados pela gestão temerária ou fraudulenta depende de uma análise eivada de subjetividade.

Mas não parece ser este o caso em que se encontra o Plano REG/Replan da FUNCEF, que contabilizou um déficit de R$ 1,9 bilhão até 2014.

Tanto a Justiça quanto a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC, têm apurado uma sequência de irregularidade das aplicações realizadas pela Diretoria Executiva da FUNCEF, que somam indícios no sentido de que a culpa pelo atual quadro de insuficiência das reservas matemáticas decorre de uma sistemática prática fraudulenta na gestão dos recursos garantidores.

Nesse mesmo sentido, o Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as operações dos Fundos de Pensão, apresentado no dia 12.04.2016 (terça-feira), aponta que fraudes na gestão dos recursos garantidores da PREVI (dos funcionários do Banco do Brasil), da PETROS (Petrobrás), FUNCEF (Caixa Econômica Federal) e do POSTALIS (Correios), resultaram em prejuízos de mais de R$ 3 bilhões ao sistema.

Caso esses indícios se confirmem, é totalmente injustificável que os participantes e assistidos da FUNCEF estejam sendo onerados com os custos de uma administração inadequada, em relação à qual não detinham qualquer domínio de fato.

RICARDO LAMEIRÃO CINTRA, formado pela PUC/SP, inscrito na OAB/SP 139.805, associado da AASP, sócio do escritório Lameirão Advogados ( www.lameirao.adv.br), mantenedor da AATSP.